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Em Melides, retiro hoteleiro conjuga arquitetura alentejana e natureza tranquila

Na costa alentejana portuguesa, o projeto hoteleiro Pa.te.os, desenhado por Manuel Aires Mateus, é um refúgio de tranquilidade

Na costa do Alentejo, em Portugal, encontra-se um projeto hoteleiro e turístico bastante singular: Pa.te.os, conjunto de quatro casas, próximo à vila de Melides, destino de veraneio ainda a salvo do intenso fluxo de turistas de sua vizinha famosa, Comporta. Chega-se ali de carro, após uma viagem de 1h20 que parte de Lisboa e culmina num trecho de terra com pouco mais de 2 km. A arquitetura de Manuel Aires Mateus, a implantação respeitosa à topografia, o concreto aparente e o paisagismo quase mimetizam o cenário natural.

As construções foram pensadas originalmente como uma extensão da morada que o casal Sofia e Miguel Charters tem ali, numa grande propriedade debruçada sobre o Atlântico, adquirida há cerca de 15 anos. Serviriam para receber amigos e parentes. Miguel Charters, empresário português do ramo imobiliário, conta que, no entanto, “o bichinho hoteleiro sempre esteve um bocadinho” dentro deles, e o projeto tomou outro rumo. “Dado o nível de investimento e de detalhe, achamos que seria importante, ou bom, experimentar um pouco essa lógica, essa ideia da hospitalidade”, explica Charters. “Como pessoas que gostamos muito de arte, de arquitetura e de design, assim como de compartilhar, entendemos que a hotelaria é um instrumento muito bom de partilha de nossos valores.”

Aires Mateus já havia trabalhado em mais de uma dezena de projetos de Charters e sua empresa, a Primosfera, quando foi convidado a conceber a nova empreitada. Em seu briefing, Charters pediu “uma proposta contemporânea, mas integrativa dos saberes e da cultura alentejanos” – a arquitetura vernacular da região, herança de séculos de ocupação árabe na Península Ibérica. A obra também deveria garantir que o terreno e sua topografia ficassem intactos, respeitando as espécies existentes de árvores e os cursos naturais de água. Por fim, todas as casas deveriam ter vista para o Atlântico.

Para o arquiteto, o desafio era “a conjugação de três realidades”. Uma delas, garantir que todas as edificações estivessem viradas para um pátio comum, sem prejuízo da privacidade de cada uma. “Ao mesmo tempo, assegurando o aspecto mais natural do terreno, com tudo o que lá existe. Portanto, garantir esta dança entre os volumes, que foram meticulosamente instalados, de modo a parecer que sempre ali estiveram”, conta Aires Mateus.

As construções têm desenhos que se assemelham a moradas com telhados de duas águas. O pátio de cada uma propõe uma conexão quase “sem costuras” entre as áreas externas e internas. Recortes generosos nas estruturas permitem amplas vistas para o entorno e o mar. A propósi- to, os Pa.te.os estão a apenas 15 minutos de carro das praias desertas daquele trecho do litoral alentejano, a maior extensão de areia de Portugal.

Partindo da premissa de que o paisagismo é, na essência, uma “artificialização da natureza”, Aires Mateus encomendou ao escritório português F|C Arquitectura Paisagista, parceiro recorrente, um projeto que também estabelecesse uma continuidade entre área construída e jardins. Foram privilegiadas espécies nativas, pressuposto que integra também os planos de Miguel Charters de promover a regeneração da flora e fauna locais.

O living de uma das casas, que porta uma lareira — Foto: Francisco Nogueira

Os interiores têm algo de quiet luxury aplicado à arquitetura, com tons sóbrios e materiais orgânicos. Para os mobiliários e objetos, Foscarini, Gervasoni, Carl Hansen & Søn, DCW Éditions, Roda, Hay, Lumina, Riva, Smeg e Le Creuset são algumas das maisons eleitas. Os itens de amenidades são Aesop. Já os quadros têm autoria da artista portuguesa Olga Sanina e foram feitos com folhas colhidas na propriedade, representando as quatro estações do ano.

Mesa posta no pátio de uma das casas — Foto: Francisco Nogueira

Abertos em 2022, os Pa.te.os se tornaram destino de executivos de grandes empresas internacionais, cujos nomes são mantidos em sigilo. “São pessoas que vivem vidas muito intensas e que, muitas vezes, procuram, no meio dessa intensidade, encontrar sítios onde possam desligar”, avalia Charters. Existem planos de uma ampliação, com cinco a seis casas, “um novo conjunto talvez a 2 quilômetros do atual”, segundo o empresário, cujo impacto será, por assim dizer, tímido. Para ter uma ideia, a atual área construída é de 500 m², inseridos em 10 mil m² de jardins, numa propriedade com 84 hectares.

Entre as paredes esculturais da construção, a vista do Sol poente — Foto: Francisco Nogueira

Charters pretende criar no local uma vinícola boutique, com projeto de Aires Mateus. A salinidade e a mineralidade do solo xistoso, afirma, determinam um terroir propício a uma vitivinicultura focada em vinhos brancos. Ali, como se vê, quem fala primeiro é a própria natureza.

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